Em Tempo de Pandemia

Atravessamos um momento complicado, confuso, em que as diferentes opiniões devem ser avalidas, tomadas em consideração, sem pressupostos, pois só do confronto de ideias podem surgir medidas adequadas e eficientes.

Desde o início que esta pandemia assenta num teste que foi muito útil nos primeiros três meses pois permitiu detectar positivos e as cadeias de transmissão. Verificou-se posteriormente que este teste continha inúmeros erros e condicionantes que começaram a ser evidentes quando a prevalência baixou. Escrevi vários artigos sobre este assunto a saber:

  1. Teste PCR
  2. Cycle Treshold
  3. A Estratégia de Testagem e o Teste PCR
  4. PCR e Testagem de Novo no Palco
  5. Tempo da Verdade Vir à Superfície
  6. Eurosurveillance e PCR-Evolução dos acontecimentos
  7. A Hipocrisia Não Tem Limites

Vejamos o que se passa fora dos hospitais

Há três premissas que temos que considerar:

A primeira premissa que se põe é a dos falsos positivos. Porque nenhum teste é 100% fiável, muito menos um teste PCR, devemos ter em consideração este problema. Desde o início que nos confrontamos com uma imensa quantidade de assintomáticos. É verdade que pode existir um período pré-sintomático de 24 a 72h mas... e aqueles que nunca desenvolvem sintomas? estarão verdadeiramente infectados? Não serão falsos positivos? estas perguntas devem ser feitas mesmo que as respostas não sejam fáceis. A existência de falsos positivos não pode ser negada de ânimo leve e esquecer isto leva a uma inflação de casos positivos. Também fomos confrontados inúmeras vezes com um caso positivo assintomático ou sintomático (os sintomas da COVID, não são específicos, são os de uma virose respiratória e nos casos graves, são sintomas de pneumonia ou broncopneumonia) vivendo debaixo do mesmo tecto com mais 3 ou 4 pessoas que se mantiveram persistentemente negativas; mesmo alegando a excelente imunidade dessas pessoas, elas deveriam ter pelo menos resíduos víricos nas suas vias aéreas superiores e serem positivas. 

A segunda premissa é como se nomeiam os positivos. Um resultado positivo é muito simplesmente um positivo, NÃO é um "caso" e muito menos um "infectado" ou um "doente". O teste PCR não faz diagnósticos, disse-o inúmeras vezes, NÃO detecta infecções! Um teste é humilde, ele faz aquilo que pode fazer e humildemente este teste detecta uma molécula, um ínfimo fragmento do RNA do vírus que pode não ser mais que um resíduo. E fá-lo por "comparação" com os "modelos" que existem nos kits disponíveis no mercado; teremos que partir do princípio de que esses "modelos" são realmente fiáveis e correspondem a fragmentos exclusivos do RNA do SARS-COV-2. A enorme quantidade de positivos, que nunca tiveram uma consulta médica, sem ter em consideração este problema, leva à expoliação dos recursos humanos de saúde pública e familiar, impedindo que os mais vulneráveis, os que necessitam do apoio periódico do seu médico de família, tenham as suas consultas e mantenham as suas patologias sob controlo. Um doente crónico descompensa facilmente, sobretudo os idosos que muitas vezes se enganam quando tomam os seus medicamentos (imaginem um idoso a ter uma "consulta por telefone"). Estas situações descompensadas levam esses pacientes às urgências e sobrecarregam ainda mais os frágeis serviços de que dispomos. Muitos outros acabam por falecer em casa ou chegam ao hospital tarde demais.

A terceira premissa diz respeito à codificação dos óbitos e às normas de testagem no cadáver. Como podemos confirmar, seja qual for a causa da morte, a presença de um teste positivo torna o óbito um óbito COVID. Isto só é útil para uma estatística de "positivos em óbitos" e nunca de "causa de morte". A falta de cuidado nesta diferenciação provoca assim uma inflação de mortos COVID que não corresponde de modo algum à realidade. Por outro lado, as normas de testagem no cadáver fazem com que quase todos os cadáveres sejam testados à procura de positivos para satisfazer essa estatística de "positivos em óbitos" como foi imposto pela OMS. Deparamo-nos com uma percentagem muito semelhante de positivos nos testes e nos óbitos.

Vejamos agora as hospitalizações

Aqui o problema é ainda mais complicado pois qualquer doente de outra patologia pode testar positivo, falso ou verdadeiro terá que ser hospitalizado na área reservada à COVID pela simples razão de evitar o contágio aos outros doentes. A atribuição de duas áreas em cada hospital, COVID e NÃO COVID, exige à partida uma duplicação diária do pessoal de saúde tanto em enfermaria, como nas urgências. Isto é incomportável pois não temos meios humanos para viabilizar tal situação. O mesmo acontece nas UCI.

Imaginem uma simples apendicite aguda: o teste é feito, tem que ser por precaução, e testa positivo. Obrigatoriamente terá que ser operado, posteriormente terá que ocupar uma cama COVID... o mesmo acontece com tantas outras patologias, como a insuficiência cardíaca, a embolia pulmonar, etc., etc. Imaginem um acidentado grave com traumatismo craniano que necessita de UCI e cujo teste foi positivo!! Terá que ocupar uma cama COVID. Assim nem o Nº de hospitalizados em enfermaria, nem em UCI são na sua totalidade doentes COVID apesar de ocuparem camas dessa área.

Como resolver este imenso problema?? De certeza que não é confinando as pessoas saudáveis! Quebrar as cadeias de transmissão? Onde estão elas neste momento? O vírus está connosco há 10 meses, co-habita connosco, nas nossas casas, nos supermercados, nos bancos, nos talhos, viaja no metro, nos combóios e nos autocarros... não está na rua pois ele desidrata facilmente e é destruído pelo raios UV. Confinar, neste momento, é simplesmente ridículo. Recentemente um trabalho provou a sua ineficácia. Ver o artigo aqui:  "Avaliação dos efeitos do confinamento em casa e do encerramento da atividade económica na disseminação do COVID-19.

Analisemos o que se passa com os pacientes não COVID

  1. Cancelaram-se as consultas de controlo das pessoas que por patologias crónicas delas necessitavam.
  2. Instaurou-se a "modernice" das consultas por telefone, como se fosse possível auscultar um paciente por telefone; como se fosse possível um idoso transmitir por telefone o que se passa com ele e entender o que o seu médico lhe diz (mesmo presencialmente é por vezes difícil); como se não fosse necessário examinar um doente, verificar como os medicamentos estão a ser tomados ("baralhar" os medicamentos é algo tão frequente nas idades mais avançadas)
  3. Cancelaram-se as cirurgias programadas, as quais, com o tempo, se tornaram urgências, por vezes emergências. Um exemplo muito frequente: a simples hérnia inguinal cuja cirurgia foi cancelada e que veio a encarcerar originando uma situação de extrema urgência para não terminar na peritonite mortal.

Não me venham dizer que a culpa é do vírus mauzão quando se recusam consultas aos doentes crónicos que delas tanto precisam porque os médicos estão sobrecarregados com controlos telefónicos das centenas de milhar de "casos" sob vigilância ou porque têm medo de ser infectados por hipotéticos "assintomáticos", médicos esses que nunca tiveram medo de ser contagiados por um doente com gripe, amigdalite, pneumonia, hepatite, meningite, etc. etc. (ou se tinham medo, nunca deveriam ter estudado medicina)

Quando vejo o número de mortos e analiso as suas idades sinto uma agonia. Nunca pensei presenciar tanta negligência, tantos erros de estratégia.

Então o que fazer?

Não escreveria este artigo se não tivesse uma possível estratégia, pois de nada serve dizer que está mal quando não temos a mínima ideia de como fazer melhor. Realmente eu vejo uma solução para interromper esta bola de neve, mas necessita de muita coragem por parte das autoridades de saúde do nosso País e da humildade dos nossos governantes para obedecerem a essas autoridades.

Teremos que ir à raiz do problema, ao que gera a imensa quantidade de positivos que expoliam os recursos e causam exaustão nas equipas de saúde.

  • Há que libertar os médicos de família e repor as consultas de controlo com extrema urgência.
  • Há que realizar as cirurgias programadas antes que as situações dêem entrada como urgências nos hospitais. 
  • Isto só pode ser feito testando exclusivamente os que têm sintomas! Não vejo outra solução. 
  • Uma outra medida seria reservar hospitais para pacientes positivos e hospitais para negativos. E isto pode ser feito por triagem com os testes rápidos.

Convido os meus colegas a refletirem sobre este assunto e mais ideias surgirão, ajudando a resolver o caos em que estamos caindo.

Data: 
23 Jan, 2021
6,157 leituras