Muita tinta tem corrido sobre se o teste PCR é o indicado para testagem dos possíveis infectados pelo SARS-CoV-2. Muitas dúvidas, muitos contras, a especificidade posta em causa, a sua sensibilidade no contexto da estratégia de testagem posta em causa. Eis que surge mais uma contestação e esta com um peso muito maior na evolução dos acontecimentos actuais.
Chegou-me "às mãos" uma publicação com um pedido para que a lesse. Como sabem o meu site pretende analisar dúvidas e esclarecer, se tal for possível. Se não for possível, pretende fazer perguntas, na esperança que outros, mais entendidos, possam esclarecer as situações.
Vejamos do que se trata.
Em Janeiro-2020 a OMS emitiu o protocolo de testagem que todos os países deveriam seguir, de modo a haver uniformidade na avaliação da epidemia. Baseou este protocolo numa única referência, um único estudo publicado a 23-Jan-2020. Neste estudo, os autores afirmam
"We aimed to develop and deploy robust diagnostic methodology for use in public health laboratory settings without having virus material available"
"In the present case of 2019-nCoV, virus isolates or samples from infected patients have so far not become available to the international public health community. We report here on the establishment and validation of a diagnostic workflow for 2019-nCoV screening and specific confirmation, designed in absence of available virus isolates or original patient specimens. Design and validation were enabled by the close genetic relatedness to the 2003 SARS-CoV, and aided by the use of synthetic nucleic acid technology."
Traduzindo:
"Pretendemos desenvolver e pôr à disposição uma robusta metodologia de diagnóstico para uso em ambiente laboratorial de saúde pública sem ter material vírico disponível"
"No caso presente de 2019-nCoV, isolamento de vírus ou amostras de pacientes infectados não estão, nesta data, disponíveis na comunidade internacional de saúde pública. Descrevemos aqui o estabelecimento e validação de um método de diagnóstico para triagem e confirmação específica do nCoV 2019 , projetado na ausência de isolamentos de vírus disponíveis ou amostras provenientes de pacientes. O design e a validação foram possibilitados pela estreita relação genética com o SARS-CoV de 2003 e auxiliados pelo uso da tecnologia de ácido nucleico sintético."
"Before public release of virus sequences from cases of 2019-nCoV, we relied on social media reports announcing detection of a SARS-like virus. We thus assumed that a SARS-related CoV is involved in the outbreak"
Traduzindo:
"Antes da publicação das sequências víricas de casos de 2019-nCoV, confiámos nas informações da imprensa anunciando a detecção de um vírus SARS-like, Assim, partimos do princípio que um vírus relacionado com o SARS-CoV está implicado no surto"
Neste momento, a base da execução do teste, os "primers" que constam no protocolo da OMS estão a ser postos em causa (aliás sempre o foram).
Outro problema deste trabalho, que a OMS seguiu em exclusividade, é que o "cycle threshold" não foi estudado tendo sido usados 45 ciclos de amplificação. Porém, não contente com isso a OMS descreve no seu protocolo 50 ciclos de amplificação, como podem ver no protocolo de testagem.
Muitos cientistas devem ter estudado o vírus e conseguido primers mais fidedignos, mas a ciência normalmente trabalha "nos bastidores" e só vem ao palco quando tem evidências dificilmente contestáveis.
Assim, em Maio surge um excelente trabalho que serve de referência no Scientific Brief da OMS de 09-07-2020. Esse trabalho pretende calcular o "cycle Treshold" de modo a que o teste PCR, o único exame capaz de identificar os pacientes infectados, nessa data, fosse suficientemente específico e evitasse ao máximo os falsos positivos. Apesar de a OMS ter aceite este trabalho como referência o protocolo não foi alterado nem este assunto debatido.
Também no mês de Maio-2020, outro trabalho foi feito que comprova o baixo "cycle threshold" que deve ser efectuado estudando-o exaustivamente entre 25 e 35 ciclos. Também os "primers" foram postos em causa e estudados.
Neste momento o primeiro trabalho de Corman-Drosten, que serviu de base ao protocolo da OMS já foi posto em causa e pedida a sua retracção devido à presença de inúmeros falsos positivos.
Mas há mais controvérsias nem sempre justificadas. Por exemplo
- Diz se que o vírus nunca foi isolado. Foi isolado dos doentes de Wuhan, hamsters foram contagiados via aerossol e desenvolveram pneumonias graves e o vírus foi isolado novamente a partir dos hamsters.
- Diz se que não cumpre os postulados de Koch. Vejamos:
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associação dos sintomas ao vírus foi repetidamente provada nos pacientes graves, não só pelo PCR mas por microscopia electrónica (o vírus pode ser visto)
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os vírus foram isolados de pacientes,
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cultivados em células vero no laboratório e usados para contagiar hamsters que reproduziram a pneumonia grave,
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isolados de novo dos hamsters e cultivados de novo em células vero. Enfim os postulados de Koch foram mais que cumpridos.
Estes postulados foram publicados muito antes dos conhecimentos que temos hoje sobre patogéneos e sobretudo de virologia. Foram em parte substituídos por outros critérios, como os critérios de Bradford Hill. Como se deve compreender não podemos provocar doença no ser humano com um vírus que pode ser mortal para provar o 3º postulado de Koch. Assim foram contagiados hamsters dourados que são muito sensíveis a esta pneumonia.
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- Diz-se que o RNA do vírus não foi purificado, que foi usado o sobrenadante que contem RNA de outras origens como o da própria célula hospedeira. Eu não conheço, como é óbvio, as técnicas de laboratório, porém as células hospedeiras são bem conhecidas em laboratório (Vero cells) e o RNA delas também. Os cientistas têm reagentes próprios que podem "descartar" esse RNA de certeza. Os investigadores em biologia molecular não são idiotas a ponto de não eliminar esse RNA e trabalharem à partida com uma mistura conspurcada de material genético da própria célula hospedeira.
Eis o estado actual da ciência, com as suas dúvidas e as suas certezas, mais dúvidas que certezas pois só havendo dúvidas a ciência pode avançar.
Notem sobretudo que não sou especialista em biologia molecular e que todo o meu raciocínio é baseado no que estudo sobre o assunto e sobretudo na lógica. A lógica é um Grande Professor! O que não for lógico deve ser posto em causa à partida e verificado exaustivamente. A quantidade esmagadora de assintomáticos não tem qualquer lógica. Quando um exame laboratorial isolado afirma doença numa quantidade significativa de assintomáticos, esse teste deve ser posto em causa. A clínica deve sobrepor-se sempre ao laboratório.